quinta-feira, 29 de outubro de 2015

RABANADA ASSADA / INTERPRETAÇÃO DE RECEITA

Rabanada assada
Ingredientes

3 ovos
1 lata de leite condensado
2 latas de leite (use a medida do leite condensado)
6 pães franceses amanhecidos fatiados
Canela e açúcar a gosto
Manteiga para untar
Modo de preparo:
Bata no liquidificador os ovos, leite condensado, leite e um pouco de canela até ficar homogêneo
Espalhe as fatias de pão em um refratário untado, cubra com o creme feito no liquidificador e leve ao forno pre-aquecido até ficarem dourados (cerca de 30 minutos)

fonte: Casa da vo

Interpretação Textual


1) Que tipo de texto é este?
2) Onde pode ser encontrado esse texto?
3) Quais são os ingredientes?
4) O modo de preparo é fácil ou difícil? Explique
5) O que você imagina que significa a palavra homogêneo?
6)  O que significa o termo pré aquecido?
7) Quanto de ingredientes seriam gastos se fosse fazer duas receitas?
7)  Em casa, faça uma pesquisa de preços e calcule os gastos com essa receita

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

sábado, 24 de outubro de 2015

A leitura do Mundo sobre os olhar de Paulo Freire

                                             A leitura do mundo
                                                                                                                               
    Frei Beto 

"Ivo viu a uva", ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné-Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se uva é natureza ou cultura.

Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multi-ferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeando pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo.

Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza a natureza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social. Graças ao professor, que iniciou sua pedagogia revolucionária com trabalhadores do Sesi de Pernambuco, Ivo viu também que a uva é colhida por boias frias, que ganham pouco, e comercializada por atravessadores, que ganham melhor.

Ivo aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Ivo sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não era capaz de construir como Ivo. Paulo Freire ensinou a Ivo que não existe ninguém mais culto que o outro, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social.

Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Ivo que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere o texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre texto e contexto que Ivo extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado é a práxis do Ivo que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.

Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que Ivo vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido da ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma da outra como entre a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar com os pés na Terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no Sol.

Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo Freire, que mergulhou no Amor na manhã de 2 de maio. Deixa-nos uma obra inestimável e um testemunho admirável de competência e coerência.

Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, pediu que eu fosse representá-lo. De passagem marcada para Israel, não me foi possível atendê-lo. Contudo, antes de embarcar fui rezar com Nita, sua mulher, e os filhos em torno de seu semblante tranqüilo: Paulo via Deus.

Frei Betto é escritor, autor em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotsho, de Essa escola chamada vida (Ática).


A escola dos meus sonhos - Texto para reflexão

Frei Betto

Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-1 e nas pesquisas do supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores - índios, senhores - escravos, Exército - Canudos, etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados, etc. Em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil, os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar. Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e seus recursos. É mais importante educar do que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, dever obrigatório.


A canoa- Texto para reflexão sobre os saberes

Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para outro.
Em uma das viagens, iam um advogado e uma professora. 
Como quem gosta de falar muito, o advogado pergunta ao barqueiro: 
Companheiro, você entende de leis? 
Não – Responde o barqueiro.
E o advogado compadecido: 
É pena, você perdeu metade da vida! 
A professora muito social entra na conversa: 
Seu barqueiro sabe ler e escrever? 
Também não – Responde o remador. 

Que pena! – Condoi-se a mestra! 
– Você perdeu metade da vida! 
Nisso chega uma onda bastante forte e vira o barco.
O canoeiro preocupado, pergunta: 
Vocês sabem nadar? 
Não! – Respondem eles rapidamente. 
Então é uma pena – Concluiu o barqueiro 
– Vocês perderam toda a sua vida!”

"Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes!" Paulo Freire


Pense nisso e valorize todas as pessoas com as quais tenha contato.
Cada uma delas tem algo diferente para nos ensinar...

A pedra / texto para reflexão

A PEDRA
Autor desconhecido

O distraído nela tropeçou...
O bruto a usou como projétil.
O empreendedor, usando-a, construiu.
O camponês, cansado da lida, dela fez assento.
Para meninos, foi brinquedo.
Drummond a poetizou.
Já, Davi, matou Golias,
E Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura...
Em todos esses casos, a diferença não esteve na pedra, mas no homem!
Não existe "pedra" no seu caminho que você não possa aproveitá-la para o seu próprio crescimento

Gaiolas ou asas? Rubem Alves

GAIOLAS OU ASAS?
Rubem Alves 

Picasso dizia: “Eu não procuro. Eu encontro”. Assim são os pensamentos. Eles aparecem de repente sem ter sido procurados. Pois, de repente, sem que o procurasse, esse pensamento me atacou: “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”.
As gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Seu dono pode levá-los para onde quiser. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Asas não amam as gaiolas. O que elas amam é o vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse pensamento nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... 
Ouvindo os seus relatos vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e as domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres... Sentir alegria ao sair da casa para ir para a escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O seu sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecham junto com os tigres.
Nos tempos da minha infância eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca, pisava no poleiro – e era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras, enfiava o bico entre os vãos, na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.
Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Me falarão sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorar de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, é preciso que todos tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos para uma vida melhor.
O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõem é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E para se testar a qualidade da educação criam-se mecanismos, provas, avaliações, exames, testes.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é “dígrafo”? E os usos da partícula “se”? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante”? Qual a utilidade da palavra “mesóclise”? Pobres professoras, também engaioladas pelos programas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: “Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido o que eu deveria aprender – e aprender à sua maneira...”
Qual é o sujeito da educação? O sujeito da educação é o corpo. É o corpo que quer aprender para poder viver. Esse é o único objetivo da educação: viver e viver com prazer. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era “ferramenta” e “brinquedo” do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender “ferramentas”, aprender “brinquedos”. “Ferramentas” são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. “Brinquedos” são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma. No momento em que escrevo estou ouvindo uma sonata de Beethoven. Ela não serve para nada. Não é ferramenta. Não serve para nada. Mas enche a minha alma de felicidade. Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo educação.
Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo. Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade. Quem aprende liberdade não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescerem... Assim todo professor, ao ensinar, teria de perguntar: “Isso que vou ensinar é ferramenta? É brinquedo?” Se não for é melhor deixar de lado.
As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o vôo dos seus alunos. Há esperança.

O nó do afeto - Texto para reunião de pais e mestres







O NÓ DO AFETO 
Eloi Zanetti 

Era um reunião numa escola. A diretora incentivava os pais a apoiarem as crianças, falando da necessidade da presença deles junto aos filhos. Mesmo sabendo que a maioria dos pais e mães trabalhava fora, ela tinha convicção da necessidade de acharem tempo para seus filhos.
Foi então que um pai, com seu jeito simples, explicou que saía tão cedo de casa, que seu filho ainda dormia e que, quando voltava, o pequeno, cansado, já adormecera. Explicou que não podia deixar de trabalhar tanto assim, pois estava cada vez mais difícil sustentar a família. E contou como isso o deixava angustiado, por praticamente só conviver com o filho nos fins de semana. 
O pai, então, falou como tentava redimir-se, indo beijar a criança todas as noites, quando chegava em casa. Contou que a cada beijo, ele dava um pequeno nó no lençol, para que seu filho soubesse que ele estivera ali. Quando acordava, o menino sabia que seu pai o amava e lá estivera. E era o nó o meio de se ligarem um ao outro.
Aquela história emocionou a diretora da escola que, surpresa, verificou ser aquele menino um dos melhores e mais ajustados alunos da classe. E a fez refletir sobre as infinitas maneiras que pais e filhos têm de se comunicarem, de se fazerem presentes nas vidas uns dos outros. O pai encontrou sua forma simples, mas eficiente, de se fazer presente e, o mais importante, de que seu filho acreditasse na sua presença.
Para que a comunicação se instale, é preciso que os filhos 'ouçam' o coração dos pais ou responsáveis, pois os sentimentos falam mais alto do que as palavras. É por essa razão que um beijo, um abraço, um carinho, revestidos de puro afeto, curam até dor de cabeça, arranhão, ciúme do irmão, medo do escuro, etc.
Uma criança pode não entender certas palavras, mas sabe registrar e gravar um gesto de amor, mesmo que este seja um simples nó.
E você? Tem dado um nó no lençol do seu filho? 

Professores apaixonados - Gabriel Perissé


PROFESSORES APAIXONADOS
                                  Gabriel Perissé

Professores e professoras apaixonadas acordam cedo e dormem tarde, movidos pela ideia fixa de que podem mover o mundo. Apaixonados, esquecem a hora do almoço e do jantar: estão preocupados com as múltiplas fomes que, de múltiplas formas, debilitam as inteligências.
As professoras apaixonadas descobriram que há homens no magistério igualmente apaixonados pela arte de ensinar, que é a arte de dar contexto a todos os textos.
Não há pretextos que justifiquem, para os professores apaixonados, um grau a menos de paixão, e não vai nisso nem um pouco de romantismo barato. Apaixonar-se sai caro!
Os professores apaixonados, com ou sem carro, buzinam o silêncio comodista, dão carona para os alunos que moram mais longe do conhecimento, saem cantando o pneu da alegria. Se estão apaixonados, e estão, fazem da sala de aula um espaço de cânticos, de ênfases, de sínteses que demonstram, pela via do contraste, o absurdo que é viver sem paixão, ensinar sem paixão.
Dá pena, dá compaixão ver o professor desapaixonado, sonhando acordado com a aposentadoria, contando nos dedos os dias que faltam para as suas férias, catando no calendário os próximos feriados.
Os professores apaixonados muito bem sabem das dificuldades, do desrespeito, das injustiças, até mesmo dos horrores que há na profissão. Mas o professor apaixonado não deixa de professar, e seu protesto é continuar amando apaixonadamente.
Continuar amando é não perder a fé, palavra pequena que não se dilui no café ralo, não foge pelo ralo, não se apaga como um traço de giz no quadro. Ter fé impede que o medo esmague o amor, que as alienações antigas e novas substituam a lúcida esperança.
Dar aula não é contar piada, mas quem dá aula sem humor não está com nada, ensinar é uma forma de oração. Não essa oração chacoalhar de palavras sem sentido, com voz melosa ou ríspida. Mera oração subordinada, e mais nada.
Os professores apaixonados querem tudo. Querem multiplicar o tempo, somar esforços, dividir os problemas para solucioná-los. Querem analisar a química da realidade. Querem traçar o mapa de inusitados tesouros.
Os olhos dos professores apaixonados brilham quando, no meio de uma explicação, percebem o sorriso do aluno que entendeu algo que ele mesmo, professor, não esperava explicar.
A paixão é inexplicável, bem sei. Mas é também indisfarçável.



A batalha dos métodos - Texto para reflexão Reunião de grupos de estudos

A BATALHA DOS MÉTODOS
Marlene Carvalho

Numa rua de subúrbio, uma criança estava sentada à porta de casa, olhando um livro ilustrado. Bem perto, havia uma escola e ali passavam muitas jovens que estavam se preparando para ser professoras.
Uma delas parou para ver a criança e disse:

— Que gracinha de menina!
— Me conta a história, disse a garota.
— Não, primeiro você tem de aprender a ler. Quer que eu te ensine? Olhando o título, a jovem apontou: a, o, e, u, i, o. Não, assim, não. Melhor assim: a, e, i, o, u.
A criança olhou desconsolada e pediu novamente para ouvir a história. A futura professora não desistiu. 
— Veja, é fácil: a com i faz ai! Como você fala quando sente uma dor. E e com u faz eu! E apontava para o próprio peito, dizendo: eu, ai! eu, ai!
A criança, um pouco assustada, desviou o olhar e abriu o livro. A normalista aborreceu-se e foi para a aula de Métodos e Técnicas de Alfabetização contar para a professora que tinha encontrado uma pobre criança que era um caso típico de falta de prontidão para a leitura.
Logo depois passou outra jovem que se enterneceu com a cena da menina com o livro nas mãos.
— O que é que você está lendo?
— Não sei ler. Me conta a história? 
— Vou ensinar a você. Como é seu nome?
— Betinha.
— Não, isso é seu apelido. Como é seu nome?
A menina pensou um pouco e olhou desolada para o livro:
— Me conta a história.
— Só se você me disser seu nome.
— Elisabete Maria de Oliveira.
— Ah, bom. Então vamos ver.
Puxando um caderninho da bolsa, a moça escreveu Elisabete e pediu à criança:
— Aqui está o seu nome: ELISABETE. Vamos ler apontando com o dedinho.
Apontando as nove letras, a menina leu: E-li-sa-be-te- ma-ri-a- de- o-li-vei-ra.
A jovem ficou embatucada e anotou a resposta para ir perguntar à professora de Psicogênese da Língua Escrita como interpretá-la.
— Tchau, querida! Outro dia eu te ensino, OK?
Não demorou muito, passou outra jovem de boa vontade e a criança lhe pediu:
— Me conta a história!
— Que gracinha! Eu conto se você me responder umas perguntas.
A criança olhou ressabiada.
— Você já sabe as letras do alfabeto?, disse a moça.
— Não.
— Você conhece as famílias silábicas?
— Quê?
— Deixa pra lá. Diga-me uma palavra que começa com pa. Por exemplo, pato, papai, palácio.
— Rei, princesa.
— Quê?
— Palácio, rei, princesa.
A futura professora suspirou. Saiu dali muito triste, achando que a menina era muito bonitinha, mas não tinha discriminação auditiva.
Daí a meia hora, passou um professor de Gramática, cansado e meio calvo, andando devagar. A menina resolveu tentar a sorte.
— Me conta a história!
— Não é assim. Fale de novo: conta-me a história.
— Hum?
— Conta-me a história, eu disse, respondeu o gramático.
— Mas eu não sei ler.
— Não, não é você que deve contá-la. Aliás, minha pobre criança, você não sabe nem falar.
A menina fechou o livro com força e fez uma careta de nojo para o gramático. Ele respondeu:
— Atrevida! Analfabeta! Iletrada! Anômala! Anojosa! Anacoluto! e retirou-se, muito satisfeito de possuir um vasto vocabulário para qualificar a pirralha.
Passou um tempinho, veio pela calçada uma professora de Sociolingüística, com seu gravador a tiracolo, e a menina resolveu tentar a sorte:
— Tia, me conta a história!
— Fala de novo, meu bem, disse a professora, e ligou o gravador. A menina era um exemplo magnífico de falante das classes populares do subúrbio do Rio, de modo que a pesquisadora não podia perder a oportunidade de entrevistá-la.
— Que que é isso?, perguntou a criança.
— Um gravador. Vou gravar o que você falar. Vamos conversar. Quantos anos você tem?
— Me conta a história. 
— Depois eu conto. Converse um pouquinho comigo.
— Quero a história.
— Você me conta uma história. Eu gravo, depois passo tudo para o papel, pego a sua história e aí...
Mas a professora não pôde concluir: a menina já estava longe, pulando num pé só, fora do alcance da pesquisadora.
Logo na esquina, a menina encontrou o vendedor de cocadas que fazia ponto perto da escola normal. Pouco movimento, tarde parada. O vendedor olhou pra menina com o livro e perguntou:
— Já leu esse livro?
— Não, lê pra mim?, disse a menina, sem muita esperança de ser atendida.
— Hum, deixa eu ver.
O rapaz abriu o livro. Foi lendo devagar, como era possível, pois tinha aprendido a ler mal e mal, há muito tempo:
— Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho. Um dia, a mãe dela cha-cha-mou-a e disse...
A menina deu um suspiro de prazer e sentou no muro da escola para ouvir a história. Lá dentro, alguém dava uma aula sobre Métodos de Alfabetização

domingo, 18 de outubro de 2015